Música, cinema e teatro, tudo isso em um looping da história da humanidade no show de despedida de Roger Waters

05/11/2023

Capa - Cred Stereo Pop

No sábado (4), a Ligga Arena, fixamente nomeado Estádio Joaquim Américo, foi o cenário do show da turnê “This Is Not A Drill”, que marca a despedida de um dos fundadores do Pink Floyd, Roger Waters. Sua última passagem pela capital paranaense foi em meio a um cenário de polarização, na véspera da eleição de 2018, que marcou um dos períodos mais obscuros e divididos da história do Brasil.

Se em 2018 o clima da polarização e do “medo” estavam presentes, neste show era possível perceber que as possíveis 20 mil pessoas (cálculo médio feito por nós) estavam alinhadas com, pelo menos, alguns dos pensamentos políticos do músico. E para começar, o recado foi dado: “Se você é um daqueles que diz: Eu amo o Pink Floyd, mas, não suporto a política de Roger, vaza pro bar!”.

O show realmente parece uma despedida. Roger conversa com o público, tanto de forma audiovisual e musical, como no microfone, contando histórias da banda e de sua vida, muitas delas marcadas pelas músicas de sua carreira. E se a política é o nome dado para a capacidade do ser humano de criar diretrizes com o objetivo de organizar seu modo de vida, Roger nunca escondeu o seu “modo de vida”. Em defesa dos Direitos Humanos, da Paz e do Amor no Globo, o show, que tem direção artística e de audiovisual incríveis, foi baseado em seus pensamentos e sobre o seu “modo de vida” e de sua família.

É nítido que o intuito da produção é comunicar. E o espetáculo é uma grande obra de comunicação. Seja pelos efeitos visuais, com elementos puros do cinema, que leva o público para uma viagem às grandes telas, seja pelas mensagens escritas no telão, com referências da própria literatura, ou mesmo pelo áudio 360º na Ligga Arena, que dão todo o toque sensorial do espetáculo.

E arte. Claro! O show da turnê “This Is Not A Drill”, como tudo o que faz ou fez, é uma manifestação completa e pura da arte. Roger Waters não mostra só todo o seu talento na música, cantando, demonstrando o absoluto multi-instrumentista que é, passando da guitarra para o baixo, como também ao clássico piano de cauda no meio do palco. Mas, também, comprova que é um gênio da interpretação, do teatro. A dramaturgia do show vai muito além do recurso para dar o toque “sensorial”, é a essência do espetáculo. Durante uma introdução da música “In The Flesh”, faixa do álbum de mesmo nome, de 2000, em referência, Roger Waters canta sentado em uma cadeira de rodas, com soro, vestindo uma camisa de força, típica de um hospital psiquiátrico em qualquer lugar do mundo, lembrando dos que sofrem com a guerra, com o descaso do estado, com o capitalismo desequilibrado, com as mazelas mentais. Isso também fica nítido pelo fato do espetáculo ser apresentado em dois atos. No primeiro, um apanhado de sua existência pessoal e, no segundo, mais voltado para suas experiências musicais.

No setlist do primeiro ato, músicas como “Comfortably Numb”, “The Happiest Days of Our Lives”, “Another Brick in the Wall”, “The Powers That Be”, “The Bravery of Being Out of Range”, mais recentes como “The Bar”, além de “Have a Cigar”, “Wish You Were Here”, “Shine On You Crazy Diamond” e, fechando com "Sheep", em uma referência para o escritor George Orwell, passando por todo o estádio um inflável de uma “ovelha”, com um efeito de áudio “surround”, com pássaros e latidos de cachorros. E, no segundo ato, músicas marcantes, muitas destacadas do estrondoso álbum "Dark Side of the moon", marcando presença as canções como "In The Flesh", "Run Like Hell", "Déjà Vu", a essencial "Money", "Us and Them", "Eclipse", "Two Suns in the Sunset" e finalizado com "Outside the Wall".

O show de "This is Not a Drill" foi um presente para os fãs de Roger Waters e Pink Floyd, em uma produção fantástica, utilizando diferentes vertentes da arte, nos mostrando que a história da humanidade, seja nos anos 60, 70, ou, em 2023, é um “looping”, que nos joga volta e meia ao fascismo, ao preconceito, ao ódio, às guerras, e, ao interesse feroz da ganância do ser humano. Roger se despediu em Curitiba deixando dois dos seus maiores legados, o da música e, claro, o da consciência política.

 

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